sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Salada e araçás para acalmar uma mente criativa

O que faz uma mulher sozinha em casa numa noite de Outono?
Loucuras :)

Tenho estado numa febre criativa imparável. Apetece-me mudar tudo. Pintar, forrar, mudar de sítio...começei a ficar assustada com esta minha vontade imparável de mudança. Assim, para afastar da cabeça os mil pensamentos de remodelação, pus-me a caminho do quintal. Claro está, lá trás surgem-me outros tantos planos para as culturas de Outono. Contudo, permaneci fiel ao objectivo e centrei-me apenas nas colheitas: uns tomates, uma grande courgete que me tinha escapado, um pimentão e derrepente no meio de um canteiro, pequenas bolinhas amarelas!!. Vejo mais de perto. Apanho uma com os dedos. São araçás. Já tenho araçás. Sorriso nos lábios, alegria no coração.

Olho para pequena árvore que ladeia o cateiro e aí, na sua altivez, os frutos parecem-me todos verdes. Estreitei o olhar e com mais atenção aqui e ali surgem umas bolinhas vermelhas. Colho-as e junto-as às amarelas que já tenho dentro do escorredor que servíu de cesto. A dúvida surge então na minha mente. Se os frutos da árvore são vermelhos, como é que os do chão são amarelos? No meu probre conhecimento sobre araçás, achava eu que existiam árvores que davam frutos vermelhos e outras que davam amarelos. Enfim sem resposta para a minha pergunta, regressei a casa imensamente feliz, traulitando uma canção qualquer. Amanhã a sobremesa será araçás com leite, umas das melhores iguarías do Outono, acreditem.


Feita a salada, voltei ao rodopio das mudanças. Dediquei-me ao meu suporte de palete dos sapatos do quarto. Com uma receita de tinta que descubri há pouco tempo, e mais uma lata de tinta quadro ardósia, fiz o trabalhinho num instante. Não é uma obra prima, essa preparo-a para mais tarde, mas o resultado agradou-me. Vejam lá como ficou e asseguir copiem a receita da salada de araçá com leite, que não se vão arrepender.



Salada de Araçá (mais simples e saborosa não há)
Uma mão cheia de araçás
Leite
Açúcar

Cortar os araçás em metades ou quartos, regar com açúcar, com generosidade, e finalmente cubrir com leite. Convém maturar bem, eu diría que dois dias é melhor que um, para ficar com uma consistência mais próxima do iogurte, mas se utilizarem leite gordo um dia é suficiente, também depende da proporção de araçás, por isso mesmo o melhor é ir verificando. Claro que a maturação faz-se no frigorifico. Apreciem ...


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Para aqueles que partem ...



Sento-me aqui no silêncio da casa. Ao meu lado dorme tranquilamente a Pilritinha. Esperamos ambas pelo momento da partida que está para breve.

Hoje de manhã saí de casa com ela, convencida de que uma ida ao veterinário resolveria o problema da sua fraqueza de há dois dias para cá. Previsão errada, diagnóstico mau, sugestão eutanásia. Chorei ali mesmo, enquanto o veterinário esperava o meu veredicto. Nesses escassos momentos de indecisão, cheirei a sala desinfectada, senti o frio da mesa onde ela repousava, ouvi ladrares de cães que queriam voltar para casa.

Peguei na minha Pilrita e trouxe-a de volta a casa. É claro que ela vai morrer aqui, tal qual como viveu. E não serei eu, na minha pretensão de dona que quer evitar  o sofrimento do seu animal, que vou determinar quando ela deve partir. Cabe a ela, não a mim. A mim cabe-me trazê-la de volta a casa, em vez de a abandonar no conforto camuflado de uma morte num consultório veterinário. Está aqui, confortável na sua cadeira, com os cheiros, os sons e as presenças de todos nós.

Desejamos-te uma boa viagem, minha linda e pequenina Pilritinha.

Alguns dias depois - Quando escrevi este post, há alguns dias atrás, a minha Pilrita partia, e partiu efectivamente. Comigo ali ao seu lado e tranquila. Aprendi com ela a deixar ir e a dar mais um passo na compreensão e aceitação da incompreensível morte. Este ano já partiram mais dois companheiros cá na quinta: A Patas e o Vispelúcia . Não lhes prestei homenagem na altura, porque a despedida foi mais dolorosa,  e por isso difícil de exorcizá-la com palavras. A Pilrita, a pequenina gata da quinta, deu-me este presente, um coração pacificado para os que vão sem retorno, e a gratidão por terem partilhado comigo as suas intensas vidas. Bem hajam a todos.



quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Estrela de Feijão Verde



Clicar na música antes de começar a ler o post

Um dia a minha mãe disse-me:
- Quando fores grande  também vais dizer aos teus filhos para pôrem os gatos na rua.
Isto porque eu contestava que quando ela era pequena tinha os gatos dentro de casa e até lhes limpava os bigodes com o seu guardanapo, para irritação do meu avô.

Enfim, agora sou grande e graças a Deus que os gatos continuam dentro de casa. Talvez porque não tive filhos, ou talvez porque nunca tenha verdadeiramente crescido. Eu sou como era, e sou a minha mãe que limpava os bigodes aos gatos, e não sei mais quantas crianças pelo mundo fora que insistem que os gatos e os cães são para estarem onde bem lhes apetece, dentro ou fora de casa.

Aranhuscas, a gata velhota da casa
Brancolinho

É essa ausência de fronteira definida, entre onde começa o meu território e acaba o deles que hoje, na nostalgia da casa vazia de humanos (por uns dias apenas), sinto um conforto incompreensível na companhia silenciosa destes bichos. Enquanto me sento à mesa, depois de uma intensa aula de yoga, a comer uma sopa de tomate e feijões verdes da horta, olho-os compenetrados no simples prazer de estar e ser. Como pano de fundo a música da Fiona Joy Hawkins faz o resto, preenchendo os espaços vazios que sobram.

Ah, já me esquecia, a estrela de feijão verde ... Sinto-me também feliz  porque hoje consegui apanhar uma estrela de feijões verdes. Depois do fiasco da minha primeira plantação desta leguminosa, fiz uma segunda tentativa tardia, já no fim de Agosto ....  estão lindos. Há umas horas atrás encontrei-os cheios de flores e com pequeninas vagens e estes que coloquei na estrela que coroa o post, foram a minha primeira colheita.

Nota de rodapé: todas as fotografias dos bichos foram tiradas esta noite enquanto saboreava a minha sopa e contemplava a companhia deles.
Papotamo

Pilrita, ou Pilritinha porque ela é mesmo pequena

Truma, a tentar convencer alguém para lhe fazer uma festa na barrinha. A brilhar, por detrás, os olhos da Meia Leca

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Chegada do Outono

Já não sei como dei as boas vindas ao Outono!. Quando dou por mim lá estou eu novamente num ritual qualquer de comemoração da sua chegada. É que para quem não sabe, esta é a minha estação favorita e nada como celebrá-la todos os dias.

Este fim-de-semana foram as colheitas das amoras, dos figos e das uvas-da-serra. Foi o convívio caseiro com amigos à volta de uma mesa, reciclando ementas de uma refeição para a outra. Foi ensinar crochê e ver pequenas hábeis mãos a tentar encontrar o caminho entre laçadas. Sim, e sempre animais esparramados pela casa, a espreguiçar e a bocejar. Bem, e já me esquecia, moscas, muitas moscas irritantes ... nem tudo pode ter um sabor bucólico neste canto do mundo : )




Para o jantar (já sozinha nesta imensa quinta) sobrou das refeições colectivas um pedaçinho de pizza (talvez na próxima publicação ela venha até à mesa do blog) e sopa, sopa de beldroegas e legumes da horta. É com ela que vos deixo, uma sopa ainda com algum sabor a Verão, recheada pelos os últimos legumes da horta e pelas beldroegas que crescem, agora, abundantemente por todos os canteiros. Não as contrario, se há coisa que gosto é que as plantas comestíveis adquiram vida própria na minha horta. Então, para quem não tiver ideia do que fazer com as suas beldroegas selvagens, esta sopa foi assim:

Ingredientes:
Para o creme de base:
Courgete
Cebola
Alho francês
Talos de acelga
Batata
Para salpicar.
Beldroegas
Salsa
Tomilho
Temperos:
Azeite
Folha de louro
Sal

Preparação: Refoguei em azeite a cebola, a courgete, o alho francês, os talos acelga, as batatas e uma folha de louro. Acrescentei  água  e deixei cozer. Depois de cozidos os legumes, reduzi-os a um puré, para fazer um creme de base. Levei novamente ao lume e, depois de começar a ferver, juntei as beldroegas, a salsa picada e uns raminhos de tomilho (pequenos e poucos, pois o sabor do mesmo pode tornar-se demasiado intenso) ferveu mais uns 3 minutos e já está pronta a servir.

Espero que gostem e bom Outono.

domingo, 26 de maio de 2013

Respirando debaixo d'água

Estou com uma gripe que me deixou prostrada na cama a fazer croché. Entre pontos, durmo longos sonos com o Vispelúcia enroscado em mim. Como um surfista experiente nas ondas, ele vai-se ajustando aos espaços em cada reviravolta que dou na cama.

Agora o meu homem foi para cozinha inventar qualquer coisa para o jantar, repleto de legumes da horta. Não faço ideia o que vai sair dali...ele disse que tinha tido cá uma ideia!

 
Enfim, mas enquanto ele desenvolve a ideia deixo-vos aqui o almoço. Consegui ter inspiração para sair da cama para preparar qualquer coisa para comermos. Como a força não era muita, optei por uma receita simples, cheia de ingredientes da quinta. Agora que a horta está cheia de folhas verdinhas é um pecado não ser o elemento mágico de todas as nossas refeições.

Desta feita fiz o esparguete de espinafres da minha amiga Eugénia. É uma receita muito simples, saudável e a mim satisfaz-me na plenitude. Aos espinafres, aos ovos e ao poejo da quinta só precisei acrescentar de fora o alho e o esparguete.
 
A nossa horta tem sido um maná. Só me apetece estar lá fora a cavar e a meter sementes à terra, e esta ausência no blog, muito se tem devido a isso. Este fim-de-semana estava cheia de planos para plantar alfaces, acelgas e beringelas. Tudo foi adiado para dias em que o peso na minha cabeça seja mais leve e consiga respirar pelo nariz,como se não estivesse debaixo de um grande oceano.

 

 

Esparguete de espinafres à moda d'Eugénia

(Receita 2 pessoas)

Ingredientes
1. Esparguete (250 g)
2. 1 Molho e espinafres (farto)
3. 2 ovos
4. Poejo (algumas folhas)
5. 3 dentes de alho
6. Azeite
7. Sal

Confecção
Cozer o esparguete e os ovos com sal.
Esmaga-se no almofariz 2 dentes de alho, folhas poejo (pode substituir por outra aromática, como salsa ou coentros) e sal até obter uma pasta. Numa frigideira grande ou num wok colocar azeite e esta pasta de alho, alourar um pouco e depois colocar os espinafres e saltear. Tape e deixe os espinafres cozerem um pouco no seu próprio vapor.

Quando o esparguete estiver cozido, escorra. No almofariz faça uma nova pasta de alho, igual à anterior, mas usando agora apenas um dente de alho. Numa frigideira coloque azeite, a pasta, o esparguete, e salteie um pouco. Depois junte os espinafres e o ovo cozido esmagado. Voilá!, já está, agora é só comer.



 

sábado, 30 de março de 2013

Guarda-Rios

Não sei se comes peixes, ou não comes,
Irmão poeta Guarda-Rios:
Sei que tens o céu nas asas e consomes
A força delas a guardar rios.
 
É que os rios são água em mocidade
Que quer correr o mundo e conhecer;
E é preciso guardar-lhe a tenra idade,
Que a não venham beber ...
 
Ave com penas de quem guarda um sonho
Líquido, fresco, doce:
No meu livro te ponho,
E eu no teu rio fosse ...
 
 
Guarda-Rios. Mas porque haveria eu de me lembrar de tal coisa? Estas aves não existem na Quinta, nem na ilha, e muito menos nos Açores. E quanto aos rios, por aqui, apenas a tranquila Ribeira do Salto, que vislumbro do meu quintal, e nos últimos tempos ouço-a a derramar, abundante de águas, São Bartolomeu abaixo.

Então porque trazê-lo aqui?

Por dois motivos coincidentes: as leituras e as aves.

Passo a explicar: este Inverno, tenebroso, tem convidado ao recolhimento e às leituras. Dígamos que apetece sentar num sofá, esticar os pés, cobrir o corpo com uma manta, pegar numa chávena de chá fumegante com uma mão e um livro com a outra.

Neste impulso de leitura decidi voltar-me para os clássicos portugueses. Admito, tenho uma incultura abissal da literatura portuguesa. Consegui fugir aos livros obrigatórios no liceu, nem lhes pus a vista em cima. É que nem li aqueles criminosos resumos que se publicam para as crianças não se darem ao trabalho de ler. A competência dos meus professores permitiu-me passar ao de leve pelas "Viagens da minha terra". Quanto ao resto, foram tudo projectos visionários de um programa escolar.

Este poema, apareceu, assim, na página de um dos livros que se abriram cá por casa. Não um que esteja a ler, mas um que irei ler. Estava ali no meio dos dias do Miguel Torga, num dos seus Diários, disfarçado com o nome de "Saudação". É lindo e simples, e, para quem já viu um guarda-rios, sabe imediatamente que este poema é a sua essência de pássaro.

Coincidência ou não, e vamos agora até ao segundo motivo: um amigo meu, viajando há poucos dias por Santa Maria, observou e fotografou um guarda-rios. Este que aparece aqui no topo da página. Estou certa que, secretamente, ouviu o poema do Miguel Torga, sem mesmo se ter dado conta disso.

Este guarda-rios não é o mesmo dos versos acima. É um primo americano, uma ave migradora trazida pelas intempéries, atravessando os mares que separam os Açores das américas. Apesar das suas asas serem de um azul menos céu, que o seu parente europeu, não deixa de ter uma essência comum.

Regresso, então, aos motivos escondidos deste post. Tentava descortinar o sentido das palavras de Alberto Caeiro quando escreveu que "Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol".

Agora já sei. Ponho-me a desejar que a beleza destes incontáveis dias de chuva venha nas asas de um guarda-rios. Imagino-o, estando eu na minha horta, a deslizar sobre a Ribeira do Salto como um raio de luz azul sobre a água. E aí sim, o significado oculto do universo para tanta chuva revelar-se-ia perante os meus olhos - um Guarda-Rios na Quinta da Vinagreira.

Nota: Obrigado ao Miguel Torga pelo poema e ao Rúben Coelho pela fotografia. Ver mais pormenores destas e de tantas outras aves que chegam aos Açores em: http://avesdosazores.wordpress.com/

domingo, 24 de março de 2013

Soube a pouco

Soube a tão pouco o sol de ontem.
Hoje regressamos aos dias cinzentos de chuva. Aqui estou eu, com cães e gatos, uns ao colo, outros estendidos aos pés, embrulhada numa manta a sonhar com os milhafres que poderia ainda ter contado.

Este fim-de-semana realizou-se mais uma campanha para a contagem de milhafres nos Açores e na Madeira. Ontem aproveitamos o bom tempo e por quase 40 Km fomos entretidos na conversa com um amigo, à procura no céu dessa nossa única rapina diurna. Contamos quinze, o que foi o nosso recorde para aquele percurso. Deambulamos pelo vale da Achada, a grande bacia leiteira da ilha. Subimos à Serra do Cume, onde admiramos a paisagem de manta de retalhos, agora salpicada por pequenos charcos e lagoas, nascidos dos dias diluvianos que vivemos, comparados apenas aos do tempo de Noé.


Manta retalhos, paisagem observada do miradouro da Serra do Cume. Foto de Carlos Pereira.

Terceira debaixo d'água. Foto Carlos Pereira

Agora, no quentinho da casa, só apetece algo bom para dar alento a esta alma desconsolada. Um hummus vindo algures do médio oriente, sabia mesmo bem para o jantar. Então acompanhado de um pão das Lajes (melhor da ilha) e uma sopa de lentilhas, era o manjar perfeito para me saciar. O nome desta pasta, natural e terroso, faz crer que foi enviada por algum deus para nutrir as almas humanas.




É com ela que vos deixo hoje...Vou contemplar a chuva.


Ingredientes

·  1/4 copo iogurte (pode subtituir por azeite e um pouco água do grão)
·  1 lata 450gr de  grão-de-bico
·  1 colher sopa tahini (pasta sésamo) (maioria das vezes não ponho)
·  1/2 Copo de sumo limão (pode-se variar consoante o gosto)
·  2-3 dentes de alho
·  1/2 colher chá de sal
·  folhas de hortelã a gosto (pode subtituir por salsa ou coentros)

Para guarnecer

·  Pimenta de Cayena ou paprica

·  Azeite

Misturar todos os ingredientes no copo liquidificador e reduzir a pasta. Salpicar com a pimenta ou paprica e o azeite.

sábado, 23 de março de 2013

A Primavera chegou à quinta

Somos como lagartos em busca de um raio de sol.
Hoje, finalmente, depois das intempéries de dias incontáveis, vislumbramos qualquer coisa que se assemelhou a uma Primavera. É certo que este estado de graça não está para se demorar e, a previsão do estado do tempo para amanhã, já promete chuva.

Apesar da fugacidade do momento, não posso deixar de contemplar os sinais primaveris na quinta e é com eles que parto para uma noite de sonhos com sol e flores.





terça-feira, 19 de março de 2013

Uma Ode ao meu pai




Se há coisa que não escolhemos é o pai que temos. É um tiro no escuro, seja o que deus quiser. Há quem tenha pais bons, maus, gordos, bonitos, inteligentes, etc ... Eu cá por mim só tenho um pai. Na palavra cabe tudo, não preciso de mais adjectivos.

É o meu paizarrão e ele, por si só, enche-me o coração todo.

Aprendi com ele a amar o campo
Aprendi a escolher
Aprendi a sonhar
Aprendi a ser desbocada
Aprendi que todos os dias nos pudemos reinventar e recomeçar
Aprendo com ele também a aceitar e a não ter medo do que está para além da fronteira invisível da vida.

O meu pai tem um espírito grande, mesmo que por vezes não saiba e se entristeça ao ver as limitações de uma vida de quase 80 anos. É uma fonte de inspiração inesgotável, surpreendendo-nos a cada nova etapa, aceitando, aprendendo e crescendo.

Antes de ainda ter consciência do mundo, já corria as terras do Pico, admirando a sua infindável beleza, atrás desse pai que me levava, sempre, ao sair da escola, para ir mudar as vacas.

Tornei-me uma sonhadora com ele.

Ele fez crescer o seu comércio, o hiper de Santo António. Não era propriamente um hiper, mas uma loja de freguesia, que como boa loja que era, vendia de tudo um pouco. Foi uma loja próspera e ele conseguiu transformá-la inúmeras vezes e, mesmo após grandes calamidades, reerguê-la, mais forte e com mais ideias.

Criou gado e foi agricultor, não tanto por gosto, mas porque tinha cinco filhos, e a cada um deles haveria de dar a possibilidade de um sonho. Ensinou-me que eu seria responsável pelo meu futuro e pelas minhas escolhas. Nunca me disse segue por ali. E, certamente pôs e põe, ainda, as mãos à cabeça, pelos caminhos que escolho, mas não me diz “eu bem te avisei”. Simplesmente fica ali ao meu lado, para quando eu escorregar me dar a mão novamente.

A reforma chegou, porque algum dia tinha de chegar. E deste pai, que se tinha dedicado exclusivamente ao comércio e à agricultura, esperávamos uma entrega a dias difíceis, de ócio, numa vida já sem objectivos.
Os homens grandes são assim: superam-se a a cada dia, perante o olhar atónito de quem os rodeia.

E vieram os projectos de agricultura em vasos, e veio o minhocário, os artigos de jornal, e o gosto pela cozinha.

Hoje, muitas vezes sentado na sua cadeira de rodas, vamos encontrá-lo na cozinha: picando, refogando, temperando um novo prato que será o seu jantar, quem sabe mesmo, uma refeição para a família inteira. Ou então, em frente ao computador, a escrever um dos seus artigos “Viver com saúde” para o jornal local, ou a publicar um “post” no Facebook.

O meu pai é sempre um homem de hoje, nunca é de ontem ou de amanhã, e é a sua eterna presença em tudo que faz que nos alimenta a nós filhos.

Protestamos com ele muitas vezes: com a forma como ainda vai mudar o mundo, e as suas soluções mirabolantes para os problemas do país; ou como consegue transformar a cozinha num “caos existencial”, de legumes espalhados pelos quatro cantos; ou pela cadeira de rodas motorizada que idealiza, de modo a deslocar-se às terras da Fajã para conceber um qualquer projecto hortícola. Não interessa verdadeiramente o disparate que lhe passa pela cabeça; o que interessa é que continua a sonhar e eu amo os seus sonhos. E amo-o também a ele, porque é um homem grande que não cabe no seu nome. E é, acima de tudo,

o meu PAI.

terça-feira, 5 de março de 2013

Pensamentos para partilhar


 
It remains the dream of every life to realize itself, to reach out and lift oneself up to greater heights.
A life that continues to remain on the safe side of its own habits and repetitions, that never engages with the risk of its own possibility, remains an unlived life. There is within each heart a hidden voice that calls out for freedom and creativity. We often linger for years in spaces that are too small and shabby for the grandeur of our spirit...

 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Para despachar o aborrecimento


E quando somos fulminados por um aborrecimento montanhoso ...

E quando ficamos bloqueados, e essa coisa, a que se chama inteligência, se esvai para parte incerta, com retorno indermimando, ou mesmo improvável ...

E quando nem um simples jantar conseguimos delinear na nossa mente e ficamos à espera que caia do céu, como uma estrela cadente ...

Alberto Caeiro é que tinha razão "pensar incomoda tanto como andar à chuva". E assim é, pus-me a pensar como resolver um problema de introdução de dados do meu doutoramento e literalmente queimei os fuzíveis.

Valeu-me o meu homem que preparou um chá de poejo (colhido no centro da ilha), e o pão com manteiga, doce e queijo (de São João do Pico), que melhor combinação não há para a depressão. E claro regressar ao escritório, atirar as pastas e o computador para o lado. Encher a secretária de outros papeis, tesouras, fios e colas. Dar outro uso ao computador e pô-lo a debitar uma música para o espírito e depois... Ideia genial ... recortar e cortar corações.

Se vos acontecer qualquer coisa no género, já sabem... não falha...encham a casa de corações, nem que sejam de papel como os meus. Bem, a inteligência ainda não voltou, mas pelo menos já estou feliz. :)





sábado, 2 de março de 2013

Bolo alfarroma para animar a alma


A quinta acordou triste.



Dos dez pintos que nasceram, só restam dois. A saga de uma semana de luta com um predador invisível, e a minha prepotência humana, de quem acha que é mais esperto do que o resto dos animais, resultou na carnificina. Numa destas manhãs ao abrir a casa onde os guardo, deparei-me com 2 pintos em pânico. Um em equilíbrio em cima da mãe e o outro tentando se esconder debaixo dela. O resto nem conto, porque o espectáculo era devastador.

Não sabemos quem foi: ratazana, furão ou doninha. Mas foi implacável e deixou a mensagem clara. Por isso mesmo, confesso, reduzo-me à minha insignificância e a partir desse dia, todas as noites a minha Cândida e os seus dois rebentos dormem em casa.

Agora começa uma luta filosófica. Aplicamos a lei de Talião, dente por dente, olho por olho? ou compreendemos que cada um cumpre o papel da sua natureza da melhor maneira que sabe?. O meu homem diz: este bicho não tem direito a viver, não há perdões. Eu, por outro lado, tropeço nas vontades, fico entre a espada e parede. A natureza contemplativa, que tanto gostamos de imaginar, é por vezes dura e cruel. Ou talvez não seja, a morte e a vida cumprem simplesmente o seu ciclo natural e a nossa visão é que apenas vislumbra um horizonte limitado.

O que eu preciso mesmo é adoçar este amargo da alma. É preto, numa espécie de luto, e é doce, para comemorar a alegria que mesmo a curta vida dos meus pintos me trouxe. Chama-se bolo de alfarroba, uma espécie de brownies que conjugam muito bem com uma bola de gelado, mas como não a tinha, marcharam mesmo assim.




Receita
150 ml óleo ou manteiga
75 g de farinha de alfarroba
3 ovos
180 g de açúcar mascavado claro
Uma pitada de sal
½ colher de chá de essência de baunilha
65 g de farinha de trigo
½ colher de chá de fermento químico

Pré-aquecer o forno a 180º C.
Untar com manteiga e polvilhar levemente com farinha uma forma com cerca de 18 x 20 cm.
Misturar bem o óleo com a farinha de alfarroba.
Noutra taça, bater os ovos com o açúcar, o sal e a baunilha até que fiquem leves e espumosos.
Adicionar a mistura de alfarroba e continuar a bater até que esteja uma massa homogénea.
Juntar a farinha peneirada com o fermento e bater levemente, apenas até misturar todos os ingredientes.
Verter a massa na forma e cozer durante cerca de 25 minutos ou até que esteja cozido e tenha o centro ligeiramente húmido.
Retirar do forno e deixar arrefecer durante cerca de 5 minutos antes de desenformar.


Adaptado de : http://www.flagrantedelicia.com

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

E na Quinta da Vinagreira não se passa nada?

Por vezes, o silêncio pode ser profundo, a sugerir uma sucessão de dias vazios. Na Quinta, contudo, os dias nunca, nunca são vazios.


Se se passa alguma coisa na Quinta da Vinagreira?
Eu digo-vos: aqui, a eterna novidade dos dias é maravilhosa. Nem só temos seguido a máxima do Fukuoka, de ir para a horta faça chuva faça sol, contemplando as pequenas e subtis novidades de cada segundo, mas também o milagre da vida voltou a iluminar este quadradinho de terra perdido na ilha.

NASCERAM OS PRIMEIROS PINTOS DA QUINTA :)

 

Desculpem-me gritar... Mas não me contenho e transbordo.

Os primeiros pintos, imaginem só! Dez bolinhas penugentas e amarelas.

Foram tempos de uma ansiedade contida. Primeiro o desaparecimento misterioso da Cândida. Depois, a sua descoberta, aninhada debaixo de um feto, sobre 14 ovos. 21 dias de expectativa, até à eclosão dos ovos. O stress de não haver “encontros imediatos” entre os vários habitantes da Quinta e, finalmente, reuni-los todos no regaço, levando-os para a sua casa provisória, onde se farão pintos fortes para poderem partilhar o galinheiro com o resto da família. É uma longa sucessão de emoções que, como vêm, mostram que o silêncio da Quinta é na verdade uma melodia para a alma.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Horta em postites

Agora na Quinta é assim:



Está lá no alto, escarrapachado, mesmo em frente à cama. Não há como ignorar. Hoje, amanhã e por aí adiante são dias de horta.

Masanobu Fukuoka dá-nos o lema e nós só lhe acrescentamos as tarefas concretas. É importante este preciosismo da objectivação, não se dê o caso de até irmos à horta, mas ficarmos apenas a contemplar a erva a crescer... Com estes vinagreiros nunca se sabe :)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Chiscar do fósforo

A Humidade e o frio penetram nas casas, na roupa, na pele. Tudo parece liquidificar-se.
Contudo, existe, na quinta, um feitiço para esconjurar o avançar tenebroso dos fungos e da humidade que empena os ossos. O talismã está debaixo da chaminé. É uma massa de ferro preta, enferrujada pelo o tempo.


Num chiscar do fósforo e no atear da chama, o monstro de ferro começa a tossir fumo e a soltar labaredas e então, nesse instante preciso, dá-se a magia e tudo se transforma, o fogão de lenha acende-se.
 
Ele domina as nossas vidas nestes tempos de Inverno. Tornamo-nos, com ele, seres pouco sociais. Estamos sempre a cheirar a fumo e cobertos por pinturas de guerra, feitas de marcas de cinza (faz parte do ritual). Ai, mas como ele nos aquece a alma e o corpo.

Acendemos uma vez por dia, enchemo-lo de panelas e cafeteiras e, lentamente, os jantares e os almoços, com sabor a lenha, vão seguindo para a mesa. A humidade e o frio do Inverno arrepiante, são compensados pelo o calor que os corpos absorvem do ferro aquecido pelo fogo. O som do calor das chamas a crepitar acorda os gatos na cozinha e lembra-os, que depois do fogão apagado, haverá uma superfície quentinha para se espreguiçarem uma tarde inteira.



Só queria um em cada quarto e excomungava assim esta humidade para todo o sempre.
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